Juiz de Fora-MG  -  quinta, 28 de março de 2024  

História do Cine Theatro Central





Construção:

 

A história registra o funcionamento de vários teatros em Juiz de Fora no século XIX. A princípio, eram toscos tablados armados em terrenos livres, palcos de apresentações mambembes. Logo veem-se iniciativas de lideranças locais para proporcionar melhores instalações ao espectador.
O Barão de Bertioga construiu, com mão-de-obra escrava, o Teatro da Misericórdia, em 1863, considerado um dos primeiros de Minas, mas ainda precário. Pouco mais tarde, no início da década de 1870, foi a vez de o comerciante Carlos Otto erguer o Teatro Perseverança. Finalmente, em 1889, os irmãos Ferreira Lage, filhos do pioneiro Mariano Procópio, inauguraram o Teatro Juiz de Fora, que por pouco tempo foi chamado Teatro Novelli, em homenagem a um ator italiano que por lá se apresentou. De todos era o melhor, com suas cadeiras douradas e foyer com espelhos de cristal, mas ainda pequeno e aquém das ambições culturais da cidade.

Somente 40 anos depois, com estes espaços já desaparecidos, Juiz de Fora ganharia seu teatro definitivo, o Cine-Theatro Central. O primeiro passo para a construção foi a fundação, pela sociedade formada por Francisco Campos Valadares, Químico Corrêa, Diogo Rocha e Gomes Nogueira, em junho de 1927, da Companhia Central de Diversões. Um ano antes, eles adquiriram o barracão de ferro e telhas de zinco do Polytheama, outro precário teatro da cidade, instalado no terreno entre a rua São João e a antiga rua da Califórnia, hoje Halfeld, e demolido para ceder lugar ao Central.

Coube à companhia construtora de Pantaleone Arcuri, que já começara a mudar a face arquitetônica de Juiz de Fora, fazer o projeto do novo teatro. Raphael Arcuri, o arquiteto, não economizou na grandiosidade e o orçamento acabou ultrapassando as possibilidades financeiras da companhia, obstáculo superado com uma medida providencial - a entrada do próprio patriarca dos Arcuri na sociedade.


Vista da construção do Cine-Theatro Central.Vista da construção do Cine-Theatro Central.

Assim teve início a construção do Central, empreitada que tomaria um ano e quatro meses de obras. Não seria o edifício mais alto de Juiz de Fora, nem sua primeira construção em concreto armado, mas sem dúvida um empreendimento ousado, em que se destacava o amplo vão sem pilastras da plateia, sustentado por uma estrutura metálica vinda da Inglaterra, que atemorizou os menos informados sobre esta solução arquitetônica arrojada – um “triunfo da técnica”, como viria a ser saudada.

Interior do Cine-Theatro Central a época de sua construção.Interior do Cine-Theatro Central a época de sua construção.

O edifício de linhas sóbrias e retas, ao estilo art déco, e fachada discreta, ganhou suntuosa ornamentação artística interna, assinada pelo pintor italiano Ângelo Bigi, radicado no Brasil. Bigi pressentiu que aquela seria a sua grande obra. Legou ao Central uma decoração de sabor de antiguidade clássica, com cenas de ninfas e faunos em jardins românticos e paradisíacos, uma Arcádia mitológica que exala paz, harmonia e felicidade. Ao centro, medalhões com as efígies de grandes mestres da música: Wagner, Verdi, Beethoven e o nosso Carlos Gomes. Enfim Juiz de Fora podia se orgulhar de contar com um teatro digno de sua importância econômica, política e cultural.

Inauguração:



É possível imaginar o arrepio de orgulho e encantamento que certamente tomou conta de todos os que compareceram à festa de inauguração do Cine-Theatro Central, em 30 de março de 1929. Todo o esplendor e a beleza do novo teatro refulgiam nas pinturas de Ângelo Bigi e na iluminação dos lustres de cristal, que davam as boas-vindas ao olhar admirado dos presentes. Ali estava uma vitória da sociedade juizforana, a prova concreta de seu refinamento, um templo de cultura que colocaria a cidade na rota das produções culturais nacionais e estrangeiras.

Figuras da alta sociedade local e autoridades como o presidente da província em pessoa, Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, prestigiaram a solenidade que contou com apresentação de orquestra e a exibição do filme mudo, em oito atos, “Esposa Alheia”. A festa repercutiu além dos limites do município. O momento que entrou para a história da cidade foi devidamente registrado na Revista Central, uma edição comemorativa que saudou a suntuosidade, a “acústica formidável”, a segurança e o conforto finalmente colocados à disposição do exigente espectador juizforano.

Localizado no coração da cidade, em sua artéria mais querida, a rua Halfeld, apesar de iniciativa particular, o Central exerceria a função de teatro municipal, o espaço elegante e tecnicamente adequado para a apresentação dos grandes espetáculos. Um dos maiores teatros do país, com seus quase dois mil lugares, seria também um dos mais belos e uma das poucas casas do Brasil com infra-estrutura para montagens tão diversas quanto teatro, ópera, balé e concertos. Com este perfil, o palco do Cine-Theatro Central receberia, nas décadas seguintes, alguns dos mais prestigiados artistas nacionais da música, do teatro e da dança.

Cinema:



Nos anos 20, o cinema já deixara de ser mera curiosidade técnica e se afirmava como espetáculo para todas as classes sociais. Sinal de sua emancipação como arte, as salas de projeção ganharam projetos arquitetônicos caprichados, em espaços próprios, ou, mais comum na época, em casas de ocupação múltipla, os cine-teatros, solução que conjugava uma arte em ascensão e outra tradicional, ambas com grande público. O Central foi concebido como um deles e, durante muitos anos de sua história, abrigou exibições cinematográficas e apresentações teatrais.

Foi com a apresentação de uma fita muda que o Cine-Theatro Central foi inaugurado em 30 de março de 1929. Durante as duas décadas seguintes, ir ao cinema era um programa elegante, para o qual homens e mulheres se vestiam com apuro, principalmente se a sessão fosse no majestoso Central. Os cavalheiros muniam-se de chapéu, acessório indispensável. As damas trajavam luvas e deixavam um rastro de perfume ao final da exibição. Não era difícil ocupar todos os lugares da plateia, mesmo em salas tão amplas como as do Central.

A solenidade do momento era acentuada pela execução da opereta “Cavalleria Rusticana”, do italiano Mascagni, que se tornou o prefixo das sessões no Central. No início, era tocada ao vivo pela orquestra do cine-teatro, que na época dos filmes mudos recebia o público no foyer e depois acompanhava a sessão fazendo fundo sonoro para a fita. Havia a “soirée” feminina, exibições de filmes românticos, dramas ou musicais com meia entrada para mulheres. E matinês aos domingos para as crianças.

O Central foi a grande sala de projeção da Companhia Central de Diversões, que chegou a ter sete cinemas em Juiz de Fora. Era o principal cinema da rede, ao qual se reservavam as estreias importantes. Foi também a primeira sala a oferecer ao espectador juizforano uma revolução do cinema: o som, novidade tecnológica que chegou à cidade nos anos 30 e que era registrado em um disco de 16 polegadas.

Origens:



Juiz de Fora ainda se atribuía ares europeus quando autoridades do município e da província e a nata da sociedade local se engalanaram para solenemente inaugurar o Cine-Theatro Central, em 30 de março de 1929. Havia a pouco terminado nossa Belle Époque, aquela era de ouro em que, progredindo a passos largos e com um perfil industrial e cosmopolita tão inusitado para uma cidade da Minas agrária e barroca, a cidade inspirara comparações desbragadas a poetas e intelectuais de passagem por suas plagas: era a Manchester Mineira, graças ao ritmo frenético de suas fábricas; a Atenas Mineira, em função de sua efervescência cultural e artística; e ainda a Barcelona Mineira, por seu comércio pujante.

A cidade civilizava-se, já notava em 1920 o poeta Murilo Mendes em uma de suas crônicas mundanas no jornal local “A Tarde”. A proximidade com a capital do país – o Rio de Janeiro afrancesado do início do século – foi circunstância geográfica determinante para o espírito moderno, empreendedor e sofisticado de Juiz de Fora naquela época. Deste civilizar-se tão festejado pelo poeta, fazia parte o roteiro de programação chique da sociedade elegante: frequentar os teatros para assistir a óperas, concertos e apresentações de companhias dramáticas.

Idealizado pela elite desta sociedade e com sua beleza clássica, o Cine-Theatro Central foi a mais perfeita tradução da imagem em alta conta que os próprios juizforanos tinham de si mesmos. Décadas depois, o Central permanece não somente como o símbolo de uma época, mas como um espaço vivo e aberto de celebração da arte.

Restauração:



Seria preciso remover camadas de tinta, poeira, mofo e descaso para redescobrir o esplendor do Cine-Theatro Central do passado. O resgate de um patrimônio como este era algo complexo e demandava mão-de-obra especializada e recursos que só seriam reunidos com o empenho de muitas fontes.

O caminho se abriu com a inclusão do espaço cultural no Programa de Incentivo à Cultura, a Lei do Mecenato, o que possibilitou o apoio financeiro de grandes empresas ao projeto de restauração, beneficiando-se, em contrapartida, de incentivos fiscais. Não demorou para que toda a verba fosse captada e a reforma, orçada em aproximadamente R$ 2 milhões, tivesse início em janeiro de 1996.

A recuperação ficou sob o encargo da empresa especializada Espaço-Tempo, de Belo Horizonte, vencedora da concorrência realizada para contratar a restauração. Durante mais de oito meses, quatro restauradores profissionais coordenaram as células de trabalho de equipes formadas por estudantes de artes, arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, que se equilibraram sobre uma plataforma de 500 metros quadrados para a tarefa de limpeza, fixação e restauração das pinturas de Ângelo Bigi no forro.

Sob nada menos do que sete camadas de tinta, os restauradores localizaram, no foyer do teatro, quatro figuras femininas que integravam a ornamentação artística original, de autoria de Bigi, mas há muito encobertas e, portanto, desconhecidas do público atual. A retirada de pinturas das paredes também revelou desenhos decorativos do artista italiano nas escadas, no balcão e na boca de cena.

Todo o trabalho, que foi acompanhado atentamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(Iphan), incluiu obras de recuperação do prédio, com troca de telhado, reforma de instalações elétricas, de poltronas e camarotes, instalação de equipamentos e mecânica cênica, que colocaram a engrenagem do velho teatro em funcionamento outra vez.

O Central estava pronto para mais uma noite histórica, sete décadas depois, quando, em 14 de novembro de 1996, o cine-teatro foi oficialmente reinaugurado. Ali estava de volta, em cores revigoradas, o grande templo da cultura de Juiz de Fora, um dos maiores patrimônios arquitetônicos da cidade, o palco definitivo das grandes emoções e da criação artística.

Tombamento:



O fim de uma era dourada significou tempos menos nobres também para o Cine-Theatro Central, que não escapou ao destino de outros espaços do gênero, afetados pela concorrência crescente de uma novidade de apelo de massas como a televisão. O público de cinema caiu progressivamente nos anos posteriores e, embora ainda fosse palco de apresentações de teatro e música, o Central imergiu num período de abandono.

A situação se agravou no início da década de 80, época de plateia vazia apesar das sessões duplas do tipo filme bom/outro medíocre a preço de ingresso único. O juizforano não ficou indiferente à situação de seu grande cine-teatro e um movimento de revalorização do espaço teve início com o tombamento do prédio como bem do patrimônio cultural do município, em 1983. A medida lhe atribuía valor histórico e artístico, preservando-o de uma demolição, mas nada podia fazer para resgatá-lo do processo de deterioração a que estava submetido. Grandes artistas nacionais se envolveram numa campanha de mobilização pela recuperação do espaço.

O destino do Central estava em jogo e a palavra-chave para salvá-lo era desapropriação. A administração municipal, porém, não tinha os recursos necessários para isso. A solução, depois de muitas negociações com a Companhia Franco-Brasileira, então proprietária do cine-teatro, foi a mobilização de lideranças locais no Governo Federal e a aquisição do imóvel pela Universidade Federal de Juiz de Fora, através de recursos do Ministério da Educação, em 1994. Neste mesmo ano, o Central seria tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O desafio seguinte seria a viabilização da completa restauração do Cine-Theatro Central.

Fonte: theatrocentral.oversec.com.br

 


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